sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Portugal promovido como uma Atlântida com campos de golfe-Inês Pedrosa


......Não há nada neste Portugal de exportação que não exista tambèm na Irlanda, por exemplo (excepto os balões saídos de algum festejo oriental, a calçada portuguesa e o bacalhau anoréctico, com duas batatas em tuberculose galopante e umas ervilhas do pós-guerra a acompanhar). Ou em Espanha. Ou em vários outros países.
O turismo, como quase tudo no mundo actual, é uma área cada vez mais especializada - e rentável.Portugal tem todas as condições para se tornar um dos mais desejados destinos turísticos internacionais,e não só nem especialmente por ter muita água (para fazer surf,regar campos de golfe ou criar cenários românticos).O que Portugal tem de único para vender é cultura:os monumentos,sim - muito mais variados do que os hiperpublicitados Palácio da Pena,Mosteiros dos Jerónimos e da Batalha mostrados neste filme. Mas também a arquitectura contemporânea - Siza Vieira é uma referência mundial,e é português.E a literatura -desse ícone incontestado que é Fernando Pessoa ao Nobel José Saramago. E a pintura - dos painéis de Nuno Gonçalves no fascinante Museu de Arte Antiga à Casa das Histórias de Paula Rego, às obras de Júlio Pomar ou Graça Morais.E a música - o fado,precisamente. Uma campanha que mostrasse o que só em Portugal se pode ver e sentir atrairia ao país um novo e mais lucrativo tipo de turista.O turismo do sol e da praia nunca poderá beneficiar grandemente o país - mares mais quentes, até a Espanha tem. A verdade é que o nosso turismo de areal se esgota nos pubs e nos campos de golfe do popular Algarve. Porque é que o Minho ou Trás-os-Montes nunca aparecem na propaganda externa? Porque é que a cultura de um país internacionalmente popular por causa do fado e de Fernando Pessoa - além das Descobertas - se resume a síntese mais evidente do tricô manuelino ou dos vinhedos do Douro? Porque é que o bacalhau de exportação há-de ter uma cara mais infeliz do que a da Kate Moss nos seus bons tempos? Porque é que uma gastronomia mais rica do que a Arábia Saudita só se promove a posta do peixe seco?
A resposta estará provavelmente na descrença que temos em nós mesmos, nas dúvidas constantes que nos assombram,vá-se lá saber porquê,sobre a identidade deste país antiquíssimo, e a sua capacidade de atrair estrangeiros. Sugiro aos responsáveis destas campanhas que ouçam os muitos estrangeiros que se naturalizam portugueses. Eles saberão explicar-lhes o que tem Portugal de diferente e singular. E depois filmem essa diferença,de Norte a Sul - não em voo planado e abstracto, mas no concreto íntimo das cidades, dos museus, das ruas, das personagens inesquecíveis e das suas obras. Portugal não é simples,não;é muito mais belo e específico do que isso.

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